Para Além da Terceira Dimensão
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Uma introdução à quarta dimensão

Davide Cervone

Talvez o objecto de dimensão superior mais bem conhecido seja o hipercubo, o análogo tetradimensional do cubo usual. Muitos conheceram-no na estória A Wrinkle in Time de Madeleine L'Engle, ou em ``And He Built a Crooked House'', de Robert Heinlein. Qualquer pessoa interessada em compreender objectos tetradimensionais deve começar por estudar o hipercubo.

Para compreender o espaço a quatro dimensões devemos olhar atentamente para o processo que nos permite compreender objectos tridimensionais a partir de desenhos no plano. A forma como, a partir desses desenhos bidimensionais, nós formamos imagens mentais de objectos a três dimensões serve de base para tentar, a partir de imagens tridimensionais, criar representações mentais de objectos a quatro dimensões. Um estudo cuidadoso das dimensões dois e três e, em particular, do processo de passagem de um caso para o outro, são essenciais.

Para compreender o hipercubo tetradimensional devemos, então, considerar o cubo tridimensional e o seu correspondente a duas dimensões, o quadrado. Na realidade podemos ir mais longe e considerar o análogo unidimensional, o segmento de recta, e mesmo o ponto, que é a versão de dimensão nula. Esta família de objectos--o ponto, o segmento, o quadrado, o cubo e o hipercubo--é uma colecção maravilhosa de objectos interrelacionados cujas relações agora investigamos.

A primeira observação é que as versões de menor dimensão são partes constitutivas das de dimensão superior. Por exemplo, o cubo tem faces que são quadrados, o quadrado tem arestas que são segmentos, o segmento tem extremos que são pontos. Isto sugere que o hipercubo terá faces cúbicas, o que é o caso. Assim como o cubo tem faces quadradas que se encontram em segmentos (arestas) e pontos (vértices), o hipercubo tem faces cúbicas que se unem segundo as respectivas faces quadradas que se encontram em segmentos e pontos. Mas quantas faces tem o hipercubo, e como se relacionam elas entre si? Para o compreender melhor vamos contar as suas partes.

Comecemos por olhar de novo para os análogos de dimensão menor. Para facilitar vamos chamar ``cubos'' a todos os objectos, mas identificar a respectiva dimensão. Assim, o 3-cubo é o cubo usual, o 2-cubo é o quadrado, o 1-cubo o segmento e o 0-cubo o ponto. O hipercubo é portanto o 4-cubo. Esta notação permite-nos falar do n-cubo se não quizermos particularizar nenhum deles. Assim podemos enunciar facilmente propriedades que todos os n-cubos satisfazem.

A nossa primeira observação é que o n-cubo pode ser formado movendo o (n-1)-cubo numa direcção que lhe seja perpendicular. Por exemplo, movendo um segmento de comprimento unitário (1-cubo) uma unidade numa direcção perpendicular ao segmento obtemos um quadrado (2-cubo). De forma semelhante, se movermos um quadrado unitário uma unidade numa direcção que lhe seja perpendicular, geramos um cubo (3-cubo). O mesmo vale até para pontos: se movermos um ponto numa direcção, percorremos um segmento. A sequência é clara: um ponto move-se formando um segmento, um segmento move-se formando um quadrado, um quadrado move-se gerando um cubo. A conclusão é agora evidente: se movermos um cubo, numa direcção que lhe seja perpendicular, percorremos um hipercubo.

A dificuldade está em encontrar esta direcção. Ela não existe no nosso mundo tridimensional. O primeiro passo na quarta dimensão consiste em imaginar esta nova direcção. Se bem que não tenha correspondência no nosso mundo físico, podemos elaborar sobre as propriedades que tal conjunto de quatro dimensões deve possuir: cada uma deve ser ortogonal às outras três. Como a nossa realidade física não comporta tais dimensões, a nossa ideia de um hipercubo será sempre incompleta ou distorcida.

Podemos usar o mecanismo do ``(n-1)-cubo a mover-se no tempo'' para contar as partes do n-cubo. Por exemplo, suponhamos que queremos contar o número de arestas do quadrado. Podemos contar primeiro as que advêm do movimento das extremidades do segmento que gera o quadrado. Uma aresta, chamemos-lhe a de baixo, é segmento inicial antes de começar a mover-se. A oposta, a de cima, é a posição final do segmento. O quadrado tem assim quatro arestas.

Procedamos de forma análoga na contagem de faces quadradas do cubo (gerado pelo movimento de um quadrado). A de baixo é o quadrado original antes de iniciar o seu movimento criador. A de cima corresponde à posição final do quadrado. As restantes faces são formadas pelas arestas do quadrado gerador, cada uma delas gerando uma face do cubo (o movimento de um 1-cubo gera um 2-cubo). Isto acarreta que o cubo tem duas faces (cima e baixo) mais quatro (uma por cada aresta do quadrado que gera o cubo), num total de seis.

As outras partes dum n-cubo podem ser contadas de forma semelhante. Por exemplo, é fácil contar o número de vértices de um n-cubo usando este processo. São duas vezes o número de vértices do (n-1)-cubo: os vértices do n-cubo são os vértices do (n-1)-cubo antes de este iniciar o seu movimento, mais os vértices do (n-1)-cubo quando este atinge o fim da viagem. Por isso o 0-cubo tem 1 vértice (ele mesmo), o segmento tem 2 vértices, o quadrado tem 4 e o cubo tem 8. Em geral, o n-cubo tem 2n vértices. Portanto o hipercubo, isto é, o 4-cubo, terá 24=16 vértices. Esta é a primeira informação concreta que obtemos sobre o hipercubo.

Em geral, se queremos saber o número de m-cubos existentes num n-cubo, obtemos duas vezes o número de m-cubos num (n-1)-cubo (os que estão em cima e os que estão em baixo) mais o número de (m-1)-cubos existentes num (n-1)-cubo (cada um percorre um m-cubo, quando o (n-1)-cubo se move de baixo para cima). Isto significa que, se soubermos o número de parte de um cubo, podemos determinar o número de partes do cubo uma dimensão acima. Efectuando os respectivos cálculos, obtemos a tabela

nm=012 3 4
0 10000
1 21000
2 44100
3 812610
416322481

A última linha representa o número de partes do 4-cubo. Vemos que existem 16 vértices, 32 arestas, 24 quadrados e 8 cubos no hipercubo! Se seguissemos atentamente o percurso do cubo gerador do hipercubo, poderíamos até identificar as ligações entre as diversas partes. Isto dá-nos a estrutura combinatória do hipercubo. (Podíamos continuar a tabela e determinar as partes do 5-cubo, do 6-cubo, ou de qualquer cubo de dimensão superior.)

Claro que o queremos é ver o hipercubo. Como poderemos fazer isso? De novo nos devemos voltar para o caso tridimensional e perguntar: como pode um ser bidimensional ``ver'' um 3-cubo? Se imaginarmos um mundo com pessoas a duas dimensões vivendo num plano, que métodos poderiam elas utilizar para compreender um cubo, usando somente o seu mundo e utensílios nele existentes?

Com a nossa ajuda, elas poderiam abordar este problema de diversas formas. Um método consistiria em iluminarmos o cubo tridimensional, projectando uma sombra sobre o plano em questão. Elas poderiam ver esta sombra e identificá-la como uma representação esmagada, ou dstorcida, de um cubo, e criar uma representação mental do objecto. É exactamente isto que se passa quando vemos televisão, ou olhamos para uma fotografia. Só vemos representações bidimensionais, mas conseguimos construir imagens a três dimensões nas nossas mentes. Claro que nós dispomos da nossa experiência tridimensional, os nossos amigos bidimensionais teriam uma tarefa bem mais árdua.

Matematicamente, este processo chama-se projecção, e é um dos métodos fundamentais na vizualização de objectos de dimensão superior. Nesta exposição usamos muitas projeções, muitas das imagens são, na realidade, ``sombras'' tridimensionais de objectos de dimensão 4 que devemos utilizar na reconstrução dos originais nas nossas mentes.

Os nossos cérebros são bastante competentes na tarefa de transformar representações bidimensionais em imagens a três dimensões. Este processo é ainda facilitado se dispuzermos de uma sequência de imagens representando vários aspectos dum objecto tridimensional em movimento. Por exemplo, a TV e o cinema transmitem bem uma impressão tridimensional. Usamos aqui a mesma ideia nas animações e nas imagens, para nos ajudar a perceber os objectos tetradimensionais cujas sombras a 3 dimensões nós vemos.

Projecções e sequências de projecções formam um método importante para compreender dimensões superiores. Voltando aos nossos amigos bidimensionais, podemos desenvolver outros mecanismos que lhes permitam visualizar objectos tridimensionais. Um seria fazer o objecto em questão atravessar o mundo bidimensional. Se eles pudessem ver a parte do objecto que intersecta o seu mundo, então disporiam de uma sucessão de ``fatias'' do objecto tridimensional. Esta sucessão de formas que variam com o tempo poderia ser usada para reconstruir a forma tridimensional nas suas mentes. Este é o processo utilizado pelos médicos quando efectuam exames TAC, que fornecem imagens a 2 dimensões que permitem aos especialistas formar uma ideia do corpo humano tridimensional.

De forma semelhante podemos reconstruir na nossa mente objectos de dimensão quatro a partir de uma sucessão de fatias tridimensionais. Muitas imagens desta exposição investigam esta ideia de usar fatias como método para compreender objectos de dimensão superior.

Concluindo, a habilidade de visualizar objectos tetradimensionais depende muito da compreensão dos objectos de dimensão inferior. Estas dimensões mais baixas fornecem muita informação sobre os fenómenos de dimensão superior e permitem-nos obter lindas imagens destes.